Adriana Barbosa olha para o futuro e analisa os principais aspectos de 2021: microempreendedores enxergaram, durante a pandemia, a importância de digitalizar os seus negócios e estar competitivo nas plataformas digitais de comunicação e de comercialização.

O Empreender 360, projeto da Aliança Empreendedora, convidou Adriana Barbosa,empreendedora social, para fazer uma análise sobre o ano de 2021 e apontar algumas perspectivas para 2022. Adriana é a idealizadora do Festival Feira Preta, reconhecido como o maior evento de cultura negra da América Latina. A partir dos 18 anos de experiência e aprendizado do festival, ela contribuiu com a criação de outros projetos, como a pretahub e ainda o podcast Superar, que apresenta histórias de pequenos empreendedores que conseguiram recriar seus negócios em meio à crise atual.

Em 2021, a população brasileira vivenciou o maior pico de contaminação e mortes em decorrência da pandemia causada pela Covid-19. Por outro lado, também foi o ano em que a vacinação contra a doença avançou e trouxe esperança ao mundo. O que acontece é que toda essa montanha russa de fatos – e as incertezas com as novas variantes – influenciaram e ainda influenciam o dia a dia dos microempreendedores.

Sobre esse aspecto, Adriana aponta o impacto psicológico da Covid-19 na população, principalmente entre os que já tinham ou iniciaram um pequeno negócio. “Em função das questões financeiras, do endividamento, muitos empreendedores ainda estão sofrendo com a saúde mental, seja por distúrbios de ansiedade ou por depressão”, disse.

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traçou um panorama sobre a saúde mental dos empreendedores durante a pandemia e os resultados mostraram que, entre os participantes da pesquisa, 60% não precisaram fechar as portas nenhuma vez, mas tiveram de fazer adaptações para manter o negócio em funcionamento. Uma parcela de 54,81% afirma ter enfrentado queda na renda durante o último ano. Como consequência, 53% receberam diagnóstico de ansiedade e 11% de depressão.

Este é um ponto que não pode ser esquecido em 2022. A saúde mental, a estrutura física e outros elementos que sustentam os pequenos negócios devem estar na pauta de todos que compõem o ecossistema empreendedor: setor público, privado, organizações de base e instituições de pesquisa e fomento.

Outro lado do impacto

Ainda na onda da pandemia no universo do microempreendedor, vale destacar que houve mudanças na maneira dos donos de negócios se organizarem, venderem, entregarem seus produtos e se relacionarem com os clientes.

“Esse foi um ano dedicado à transformação digital e à musculatura emocional. Um ano em que os empreendedores tiveram que ter consciência da importância de digitalizar os seus negócios e estar competitivo nas plataformas digitais de comunicação e de comercialização”, sublinha Adriana.

Uma pesquisa recente feita pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou que sete em cada 10 pequenos negócios já vendem seus produtos e serviços por meios digitais e que para um terço dos microempreendedores individuais do país, mais da metade do faturamento já provém dessas plataformas.

É claro que a pandemia impulsionou este número, mas vale destacar que outra pesquisa da FGV revelou que mais da metade das micro e pequenas empresas brasileiras (66%) ainda estão na fase inicial do processo de transformação digital, sendo 18% analógicas e 48% emergentes. Um percentual de 30% está numa fase intermediária. Ou seja, a digitalização no mundo do empreendedorismo teve seu “boom”, mas sua manutenção e necessidade de melhorias, principalmente entre os pequenos, é algo contínuo e que vale a atenção do ecossistema.

Sobre o que vem pela frente, a empreendedora Adriana Barbosa avalia que o ano de 2022 ainda será complexo por trazer resquícios da pandemia, e também devido ao quadro político nacional. “Será um ano de desafios, mas um período também de coalizões em prol dos processos mais equânimes em diferentes segmentos. Coalizão de empresas, de organizações da sociedade civil, poder de coletivos de artes e cultura.”

Com forte atuação na área cultural, Adriana sublinha que o futuro próximo deve ser marcado pela coletividade e cultura da colaboração, frente aos desafios da gestão política, transformação digital e a pandemia.

Retrospectiva: o que aconteceu em 2021?

“O sonho de empreender faz parte de forma muito intensa dos projetos de futuro da população brasileira” –  Paulo Alberto Bastos Jr, IBQP

Divulgado neste ano, o relatório anual “Empreendedorismo no Brasil 2020”, do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), apontou que pela primeira vez desde 2002 a maioria dos empreendedores de negócios em estágio inicial o fazem pela motivação da necessidade. A publicação traz dados que representam o impacto do primeiro ano de pandemia. “Naturalmente há uma vinculação forte com a escassez de postos de trabalhos, o que se alinha ao dado anterior da redução dos negócios já estabelecidos”, explica Paulo Alberto Bastos Jr, analista sênior e membro da equipe de coordenação da pesquisa GEM Brasil pelo IBQP.

No Brasil, houve uma significativa queda nos empreendimentos estabelecidos – negócios com mais de três anos e meio de existência –, passando de 16,2% em 2019 para 8,2% no ano de 2020.

“O racismo está presente nas estruturas das organizações, sejam elas públicas, privadas ou sociais” – Mafoane Odara, psicóloga e consultora

Adriana Barbosa frisou que a pandemia trouxe uma lupa para a desigualdade, que é estruturante. “A população negra tem sido impactada em uma dimensão maior em função de um contexto de desigualdade que foi construído desde o processo da abolição da escravatura. E a pandemia só reforça os índices das desigualdades, como o acesso a crédito pelos empreendedores negros e à tecnologia por parte dos estudantes, além de saúde, moradia e desemprego.”

Em setembro, uma produção especial do Empreender 360 abordou o tratamento das organizações do terceiro setor em relação à questão racial. A população brasileira é, em sua maioria, preta e parda – cerca de 54%, de acordo com o último Censo (2010) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E mesmo em um país de maioria negra, e sendo o racismo uma contravenção penal, os atos racistas são cotidianos e vão desde ‘piadas’ até homicídios. Confira algumas iniciativas que podem ser adotadas no dia a dia das organizações.

“O microcrédito por si só não é sinônimo de inclusão” – Mariana Rodrigues, Empreender 360

A reflexão de Mariana se soma a de outros especialistas do setor que defendem que a orientação financeira em conjunto com a oferta de microcrédito tem papel fundamental na pauta da inclusão produtiva, considerando que o setor é composto majoritariamente por empreendedores com baixa escolaridade e excluídos do sistema financeiro.

Para a coordenadora do programa Empreender 360, a tarefa das organizações que atuam para dinamizar o setor do microempreendedorismo no Brasil vai além da oferta de capital. “O microcrédito por si só não é sinônimo de inclusão ou garantia de desenvolvimento do pequeno negócio. Ele precisa vir atrelado a outras soluções e também a políticas públicas que fortaleçam o microempreendedor.” Acesse a reportagem na íntegra e confira um passo a passo para o empreendedor acessar ou ofertar microcrédito.

“O Brasil é um país com uma grande massa de empreendedores informais, e a falta de informação afeta diretamente o desempenho de boas políticas públicas” – Lina Useche, Aliança Empreendedora

No dia 1º de outubro, o programa Empreender 360 realizou o 2º Workshop sobre Informalidade e Microempreendedor Individual (MEI). O primeiro evento foi realizado em maio de 2021. Essas iniciativas reuniram informações sobre a temática e debateram com organizações do ecossistema empreendedor soluções para a política pública.

A partir desses eventos, o Empreender 360 lançou o conteúdo especial, em novembro, intitulado “Informalidade e MEI: caminhos para a construção de uma cultura empreendedora justa e inclusiva”. O material é uma síntese das ações desenvolvidas em rede e apresentam uma análise mais aprofundada sobre esse cenário, além da proposição de caminhos possíveis para o aprimoramento da política do MEI. Em breve, será lançada também uma publicação sobre a temática.

“Muitas mulheres não têm apoio e reconhecimento de que seus negócios, ainda que pequenos, fazem parte de um ecossistema potente e que gera muita riqueza” – Ana Fontes, Instituto Rede Mulher Empreendedora

Em 19 de novembro foi celebrado o Dia Global do Empreendedorismo Feminino, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de visibilizar a equidade de gênero no mundo dos negócios, especialmente no microempreendedorismo.

Conforme a pesquisa anual “Mulheres Empreendedoras 2021”, realizada pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora, detalhou os impactos da pandemia sobre a vida do público feminino. Mais de 50% das empreendedoras com filhos alegaram que o fechamento das escolas impactou suas rotinas de trabalho, principalmente para aquelas com filhos de três a 11 anos.

Mesmo em meio a um cenário com tantas tarefas cotidianas, o estudo mostra que 26% das mulheres entrevistadas iniciaram o seu negócio atual durante a pandemia. Já de acordo com o levantamento do GEM, o número de mulheres que entraram no mundo do empreendedorismo cresceu 40% nesse período, sendo que 44% delas são chefes de família. Conheça aqui algumas iniciativas que apoiam os pequenos negócios no Brasil.