O empreendedorismo pode ser um propulsor para o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, especialmente quando traz para o centro do debate as milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. Mas para que isso realmente funcione, é preciso um olhar multidisciplinar, que dê conta dos desafios enfrentados na elaboração e execução de alternativas eficazes, considerando aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais do trabalho digno.

Em 2022, o Brasil tinha 67,8 milhões de pessoas em situação de pobreza, segundo os dados da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A quantidade é equivalente a uma fatia de 31,6% da população sobrevivendo com até R$ 637 por mês. Essa realidade exige não apenas ações emergenciais de assistência social, mas também medidas estruturais que capacitem os indivíduos a se tornarem agentes de sua própria transformação.

Mas neste país, onde a desigualdade socioeconômica é uma realidade persistente, como é possível desenvolver medidas eficazes de apoio ao empreendedorismo, associadas à promoção da igualdade de oportunidades e o combate à pobreza?

A recente assinatura do acordo de cooperação técnica entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e a Aliança Empreendedora é um bom exemplo de medida e ilustra o porquê foi tão importante esses caminhos terem se cruzado. A Aliança nasceu em 2005, com o objetivo de capacitar e apoiar microempreendedores formais e informais em todo o Brasil. E cada vez mais, foi compreendendo a necessidade de alinhar sua atuação com empreendedorismo e geração de renda a políticas públicas de redução da pobreza e fomento ao desenvolvimento econômico.

Passou, então, a construir uma frente de Advocacy dentro de seu programa Empreender 360. E assim, desde 2016, iniciou diálogos com o Legislativo e o Executivo do Governo Federal, proporcionando uma plataforma para a defesa de políticas públicas mais inclusivas e acessíveis.

Até chegar ao MDS um longo caminho foi percorrido, iniciado em maio de 2021 quando a Aliança Empreendedora fez um levantamento de dados e realizou uma série de diálogos com diversos atores do ecossistema empreendedor com o intuito de compreender o cenário em relação ao empreendedorismo e informalidade, sob diferentes perspectivas, incluindo a do Governo Federal.

Isso fortaleceu o debate sobre estratégias de governança política permeadas pela conexão entre diferentes atores, conflitos, interesses, ideias e resultou em dois estudos diferentes que concretizaram em números e narrativa a ideia de se falar desse empreendedor mais invisível nos espaços de tomada de decisão. (Acesse dados e estudos sobre o ecossistema microempreendedor elaborados pelo E360)

Ainda nesse processo, com o apoio dos estudos, foram estabelecidos diálogos com representantes de diversos setores do ecossistema empreendedor, ampliando o alcance da Aliança e abrindo portas para participação em espaços de discussão, como o Fórum Permanente da Micro e Pequena Empresa – hoje uma das instâncias previstas pela Constituição Federal para gerir o tratamento diferenciado, favorecido e simplificado a esse segmento. Foi mais um ambiente oficial do Governo Federal para levar o empreendedorismo sob a ótica da Inclusão Produtiva.

Cada passo dado e porta aberta ao diálogo foi construindo a possibilidade de acordos maiores de cooperação, não só de uso da tecnologia social da Aliança na ponta (cursos, treinamentos abertos e gratuitos), mas também no que diz respeito a pensar políticas públicas e programas que cheguem para o microempreendedor da base da pirâmide considerando sua realidade e especificidades.

Na caminhada foi ficando evidente a importância de se focar mais no empreendedorismo para um público que está no CadÚnico. Assinar o Acordo de Cooperação Técnica com o MDS representou a aproximação de dois mundos que podem – e devem – conversar mais: o empreendedorismo enquanto ferramenta para geração de renda familiar e inclusão produtiva e a assistência social. 

Tudo pensado com muito cuidado, já que essa aproximação exige respeito com o debate do trabalho digno e deve considerar a complexidade dos assuntos que a assistência social já trata para garantir que o empreendedorismo esteja vinculado a segurança e proteção social, para que empreendedores de base possam trabalhar de forma sustentável, garantindo seu bem-estar e o desenvolvimento econômico da comunidade. Daí a multidisciplinaridade: olhar para empreendedor vulnerável para que ele seja acolhido a partir de todo o seu contexto.

Nesse sentido, o ACT visa não apenas fornecer capacitação e apoio aos empreendedores cadastrados no Cadastro Único, mas também garantir que políticas e programas sociais tenham um impacto real na vida das pessoas. Afinal, a articulação entre a sociedade civil e o poder público é fundamental para promover políticas públicas eficazes de apoio ao empreendedorismo, que viabilizem a garantia de proteção e visibilidade para os trabalhadores informais, autônomos e microempreendedores individuais.

O acordo reforça (e muito!) a importância de parcerias estratégicas entre o poder público e organizações da sociedade civil comprometidas com o fortalecimento do empreendedorismo entre as populações mais vulneráveis. 

Isso reflete um movimento amplo de cooperação entre diferentes atores do ecossistema empreendedor, mostrando que a colaboração entre o governo, organizações da sociedade e outros stakeholders é essencial para impulsionar o empreendedorismo de base. Afinal, para a construção de boas políticas públicas, estar em rede potencializa a troca de informações, apoios, alianças e a formação de projetos, e visões e percepções.