Por Carol Scorse

 

As enchentes no Rio Grande do Sul, a extrema seca na região amazônica e as ondas de calor no sudeste provam que a crise climática deixou de ser uma previsão para um futuro etéreo, mas faz parte do dia a dia. E ela não se limita a impactar a qualidade do meio ambiente e tudo o que diz respeito à natureza, mas atinge todas as áreas da vida. A previsão da revista Nature é de que a renda média global caia 19% até 2050 apenas em função do colapso climático. Na outra ponta, no Brasil, o empreendedorismo socioambiental vai despontando com cada vez mais força, e surge como alternativa para gerar impacto positivo para o planeta ao mesmo tempo que gera renda para as comunidades, numa inversão completa de perspectiva.  

Em nosso país, com uma das maiores porções de floresta do mundo e com inúmeros territórios empobrecidos, a ideia não é exatamente nova, mas até pouco tempo era vista como inovação, como é o caso das biojoias, o artesanato e a manufatura de objetos do dia a dia com fibras e insumos naturais, por exemplo. 

“Agora, temos a urgência de manter a floresta de pé, e o que estamos vendo são transformações incríveis como um madeireiro, isso mesmo, uma pessoa que derrubava madeira, virar agente de turismo ambiental. E empregando gente”, explica Valcleia Soledade, mulher quilombola do Pará que há quase três décadas trabalha com impacto ambiental e social por meio da geração de renda nos territórios.  

Há 18 anos, Valcleia é Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia  – FAS -, e faz a gestão de diversos programas, entre eles o Floresta em Pé, Educação para a Sustentabilidade, Empreendedorismo e Saúde na Floresta. 

Ela conta que a ideia do programa “é levar uma educação que faça sentido para as comunidades” com formação em microempreendedorismo, mentoria de projetos e educação ambiental, e afirma que essa formação é capaz, de fato, de promover pequenas revoluções locais.  

“Faz uma diferença enorme para uma artesã saber precificar o seu trabalho, ou pescadores entenderem que o peixe que ele pesca pode ser beneficiado de muitas formas, agregando valor aquele produto. A educação ambiental entra para mostrar que aqueles insumos, tão abundantes no território, tem valor e podem ser utilizados de maneiras diferentes, sem agredir o meio ambiente”, conta.  

A gestora de projetos chama atenção, no entanto, para os inúmeros problemas de infraestrutura que essas comunidades historicamente enfrentam. “Eu atuo com comunidades do fundão da Amazônia. Não dá para achar que uma comunidade com acesso escasso a energia elétrica, água potável, rede de internet, computadores, vai conseguir dar conta de empreender de uma forma que isso se torne sustentável para aquela família. De uma forma que aquele micro negócio cresça e ganhe consistência”, argumenta.  

O impacto da pouco infraestrutura faz diferença também para aqueles territórios que terão a chance de receber a formação em empreendedorismo, e as que não vão receber.  

“As famílias naturalmente empreendem. Se uma família que produz banana vende o excedente da produção, que a princípio é feita só para o sustento da família, e com essa venda consegue comprar outros produtos, ela já está empreendendo. Agora, se eu consigo fornecer formação para essa família precificar melhor essa banana, produzir bolos, aproveitar a casca para o artesanato, estocar o produto quando o preço estiver muito baixo, eu consigo realmente fazer essa família melhorar de vida. Mas levar formação para um lugar que não tenha energia para aguentar um freezer ou acesso a um computador é muito desafiador”, explica.  

Ou seja, é preciso resolver gargalos antigos nas políticas públicas para poder levar conhecimento e contribuir para que as famílias se regularizem e se integrem no que a dinâmica econômica precisa ter de mais básico.  

Valcleia Soledade, Superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia (FAS)

 

Negócio Raiz  

Ainda assim, em muitos locais, isso já é possível. O assessor de empreendimentos da Aliança Empreendedora Sidnei Pereira é uma das lideranças do projeto Negócio Raiz, que fomenta a bioeconomia em regiões onde a abordagem faz sentido para o território.   

“A primeira coisa é mostrar para a comunidade que ali tem muitas possibilidades de produção e renda que vai gerar impacto positivo para ela e para o meio ambiente, e que isso agrega valor à produção”, explica o assessor.  

São os casos em que uma costureira que usa tecido cuja origem é uma matéria biodegradável. Ela está, ele explica, gerando renda e trabalhando exatamente na contramão de todo o modo de produção que nos levou ao colapso climático. “O que vemos nesses espaços é que ou eles não sabem a potência que tem ali de produção, ou quando já produzem não sabem que aquilo pode ajudar a salvar o meio ambiente.” 

O Negócio Raiz é uma iniciativa desenhada para impulsionar jovens microempreendedores, principalmente das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Focado na valorização da bioeconomia, o projeto resultará na premiação de 5 empreendedores de destaque. 

A jornada do participante começa com uma capacitação inicial em formato online via WhatsApp e presencialmente, onde os microempreendedores terão acesso a conteúdos e treinamentos exclusivos. 

Cem jovens serão selecionados para aceleração, sendo 60 das turmas online e 40 das turmas presenciais. Eles irão para um programa de aceleração que inclui mentoria e capacitações específicas. Ao final, 5 microempreendedoras(es) destaques receberão, ainda, acompanhamento para aplicação dos recursos financeiros. O projeto é uma parceria entre Aliança Empreendedora, Youth Business International (YBI) e Standard Chartered Foundation. 

Sidnei afirma que ao menos 30% dos formandos têm consciência de que o seu pequeno negócio está ligado à natureza e na transformação da forma de produzir e consumir. “O que precisamos, muitas vezes, é organizar o conceito de bioeconomia para que eles se apropriem do que já está ali, à mão, que já faz parte da cultura local e transforme isso em renda”, explica o assessor. 

Como agentes que atuam na ponta, diretamente com o público, Valcléia e Sidnei são otimistas sobre a capacidade do país de valorizar e empoderar o (a) microempreendedor (a) como agente de transformação local e ambiental. São mais otimistas ainda sobre a capacidade das comunidades de enxergar as oportunidades que o território e a natureza fornecem, a partir das formações, do conhecimento e, principalmente, recebendo o apoio que precisam para isso.