No último mês de outubro, o Movimento Negócios pela Terra, uma iniciativa do Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), publicou um estudo intitulado Inteligência de mercado para empreendimentos comunitários. O objetivo é auxiliar os negócios comunitários a aprimorarem suas lógicas de funcionamento interno e de posicionamento no mercado com base no conhecimento das necessidades das empresas compradoras, promovendo cadeias de valor mais justas para os produtos da agricultura familiar e da biodiversidade brasileira.

No Brasil, os negócios comunitários (agricultura familiar e comunidade extrativistas, indígenas e quilombolas) cumprem um papel essencial na conservação do nosso patrimônio biológico e cultural e na manutenção de biomas ameaçados, como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica. E, claro, detêm sua importância como gerador de renda para essas comunidades. Porém estes negócios demonstram ainda pouca estruturação interna para dar escala e se incluir ainda mais na economia. Segundo o estudo, das 1040 associações produtivas e cooperativas que geram impacto socioambiental positivo mapeadas (mais de 500 mil pessoas impactadas), 71% possui receitas declaradas abaixo dos R$ 600 mil anuais.

Para a Conexsus, o grande ponto de virada é facilitar o acesso dos negócios comunitários sustentáveis a mercados privados e também aos mercados alternativos, representados por modelos colaborativos e voltados à economia solidária, pois eles ainda enxergam poucas opções além do mercado institucional, com a venda direta para iniciativas governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Para isso, o Movimento Negócios pela Terra mapeou as demandas comerciais de empresas de diferentes portes e segmentos e fez o cruzamento de dados entre oferta e demanda de produtos, permitindo enxergar potenciais negócios e gargalos.

Demanda potencial

Os volumes sinalizados pelas empresas como intenções de compra superaram a casa das 22 mil toneladas. A
análise demonstra que o setor de alimentos é o maior interessado, com mais de 80% do volume demandado,
seguido por ativos e ingredientes, com quase 6% das quantidades elencadas. Ressalta-se também que, em média, 79% dos volumes com intenção de compra são de produtos orgânicos. Esta informação revela oportunidades para os negócios comunitários.

E para diversificar e escalar a produção, os negócios comunitários precisam estar atentos a 3 fatores principais:

  • agregar valor aos ingredientes e ativos vendidos para a indústria, beneficiando produtos que só eram vendidos in natura, é um diferencial importante;
  • assim como, desenvolver produtos inovadores pode gerar escala para os negócios;
  • e, por fim, uma prática cada vez mais frequente, o Private Labelquando cooperativas e associações fornecem o produto acabado, colocando o rótulo da empresa compradora. Isso não impede que produtos próprios sejam comercializados e diversifica a produção.

Ao conhecer e explorar os critérios de compra, os negócios comunitários podem organizar-se para modelar suas operações produtivas e gerenciais a fim de atender aos requisitos do mercado privado. O acesso, qualidade do produto e processo, fornecimento, preço e indicadores são os principais pontos que apresentam gargalos e são levados em conta pelos compradores. Por exemplo, é unânime entre as empresas a dificuldade de acesso aos produtos de negócios comunitários, por isso é fundamental expandir a divulgação dos produtos e desenvolver as cadeias para que se consiga alcançar esses potenciais compradores. Já em relação ao atendimento das demandas, são enfrentados problemas com a constância no fornecimento, o que exige das comunidades um estudo de sua capacidade e uma logística de entrega adequada ao porte tanto da vendedora quanto da compradora.

O perfil socioambiental dos negócios comunitários também é um critério relevante analisado pelo mercado. Itens relacionados à responsabilidade socioambiental corporativa, como transparência nas relações comerciais, conservação ambiental, garantia de comércio justo, regularização trabalhista são por vezes mais valorizados que a qualidade e garantia de entrega. Dados e indicadores relacionados a isso são essenciais na proposta de valor das empresas.

Outro desafio enfrentado é criar mecanismos para assegurar a compra de matérias-primas ou produtos por meio de pagamento antecipado ou com prazos adequados. Para os negócios comunitários, a falta de capital de giro muitas vezes inviabiliza contratos de venda, pois as associações e cooperativas precisam pagar imediatamente seus integrantes, sob pena de perderem na concorrência com atravessadores. Políticas públicas, como o Pronaf, e fundos privados podem ser acessados para diminuir problema.

Analisando as duas pontas dessa relação, vemos nas comunidades organizações mais maduras para atender aos níveis de exigência e de conformidade , mas ainda com insuficiências em seus processos gerenciais e financeiros, demandando apoio para conseguir efetivar transações mais vantajosas. No outro lado, vemos algumas empresas amadurecidas para relacionar-se com as especificidades dos negócios comunitários, mas outras ainda precisam de reforço na sua capacidade de interlocução. O ecossistema precisa aproximar e compreender essas distintas realidades, promover as adaptações necessárias para atender aos critérios e parâmetros de compra que o mercado possui, garantindo contratos de garantia de compra e acesso a financiamentos que viabilizem financeiramente essas adaptações, ajudar as organizações na redução dos riscos e dos custos de transação e disponibilizar ferramentas, recursos e processos sob medida para criar soluções customizadas para ampliar o leque de comercialização comercialização dos produtos dessas organizações.

Durante e pós pandemia

O mercado vem se adaptando em todos os setores e tendências e cenários apresentam-se para os negócios comunitários:

  • a prospecção de mercados regionais;
  • a melhoria dos portfolios dos negócios comunitários, por meio de redes e cooperações, para que possam se tornar mais atraentes e terem mais oportunidades de venda;
  • a criação de uma linha de apoio a pequenas empresas que possuem interesse em adquirir produtos da sociobiodiversidade, mas que ainda não se veem capacitadas para isso.

Já o ecossistema tem a responsabilidade de:

  • mitigar impactos sobre a pequena produção, com o estudo de mecanismos para liberação de
    recursos que auxiliem os produtores de forma emergencial;
  • fazer conexões com alternativas de comercialização, utilizando-se as tecnologias disponíveis e de redes
    solidárias para a comercialização dos produtos dos negócios comunitários sustentáveis;
  • ativar redes para comunicação e troca de experiências, bem como de ações compartilhadas entre parceiros, capazes de promover o conhecimento e o fortalecimento institucional das organizações comunitárias.

Baixe abaixo o relatório completo da Conexsus.