O Agreste Pernambucano é o segundo maior polo de confecção têxtil no Brasil,  cerca de 800 milhões de peças de vestuário são produzidas todos os anos tanto para o comércio nacional quanto para o internacional, segundo Agreste TEx. O polo é composto por 10 municípios, sendo os de Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru os principais produtores. Estes possuem Índice de Desenvolvimento Humano municipal (IDHm) médio e contabilizam taxas de informalidade que variam de 23,9% em Caruaru, 39,8% em Santa Cruz do Capibaribe a até 57,3% em Toritama. Em média, 30% dos residentes na região estão em situação de pobreza ou extrema pobreza. Em 2018, mais de 134,7 mil pessoas desses municípios eram beneficiárias do Programa Bolsa Família.[1]

No polo, o foco da produção são roupas casuais, como brim, malharia e outras vestimentas, além de moda infantil e lingerie. Segundo o Núcleo Gestor da Cadeia Têxtil e de Confecções em Pernambuco – NTCPE, estima-se que existam na região pelo menos 14.000 empreendimentos, entre formais e informais, e mais de 100.000 pessoas envolvidas diretamente na produção.  Segundo levantamento realizado pelo Sebrae, estima-se que, para cada quatro empresas informais, há apenas uma formalizada.

Em relação à origem do que hoje é denominado por  Polo de Confecções do Agreste, “resultou da iniciativa de homens e mulheres situados em áreas preponderantemente rurais do Estado. Foi nos anos 1950/1960 que as tradicionais feiras da sulanca começaram a ganhar força no Agreste. Ainda hoje, o termo sulanca designa, de certa forma, uma depreciação das confecções locais, caracterizando-as como de baixo valor aquisitivo. A palavra tem origem helanca (tipo de tecido vindo do sul do país)”.[2] E, Segundo Fred Maia, ex-presidente do NTCPE – Núcleo Gestor da Cadeia Têxtil e de Confecções em Pernambuco, é possível dividir a história do Polo de Confecções do Agreste em três gerações:

  • A primeira geração é o início do processo produtivo em busca da sobrevivência e na costura mais rudimentar dos retalhos;
  • A segunda geração e atual é a que herdou as técnicas de trabalho e de empreendimento familiar que deram certo e ainda dão lucro.
  • Na terceira geração, acredita-se que os procedimentos serão mais modernos e a mentalidade dos empreendedores deve mudar para garantir o sustento no futuro, distante das cópias e investindo na moda pernambucana com identidade.

Mas apesar, de sua importância para a economia do estado e sua história, esse polo industrial carece de profissionalização e demanda especial atenção para a vulnerabilidade das mulheres que trabalham na cadeia produtiva como costureiras.

Segundo mapeamento realizado pelo Fundo de Serviço de Apoio e Assessoria a Projetos – SAAP em parceria com o Instituto C&A, 70% das costureiras autônomas ganham até um salário mínimo por mês; 38% destas recebem apenas um quarto desse montante[3]. Sendo a maioria delas trabalhadoras informais, que possuem suas oficinas de costura em casa, misturando as atividades domésticas e profissionais, jornadas exaustivas de trabalho (10 a 15 horas por dia), e alienadas do processo produtivo.

Segundo diagnóstico realizado pela Aliança Empreendedora em parceria com o Instituto C&A em dezembro de 2019, essas mulheres possuem pequenas facções de costura, e assim como os imigrantes Bolivianos em São Paulo, só realizam uma parte da produção: a grande maioria só sabe costurar peças que já chegam cortadas, não tendo autonomia para realizar modelagem e corte, ficando reféns de intermediários. Estes intermediários pagam valores muito baixos, forçando que trabalhem de forma exaustiva para compensar a produção.

Um olhar sobre Toritama, a capital do jeans

Toritama, merece um olhar particular. O local é conhecido como a capital do jeans, sendo o segundo maior polo de confecção ‘jeanswear’ do Brasil, responsável por 16% da produção nacional e a principal do Nordeste no segmento [4] .

Segundo entrevista realizada durante o diagnóstico local da Aliança Empreendedora, Kleber Barbosa, Coordenador do Centro de Tecnologia da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE de Toritama, relatou alguns dados e informações sobre o município.

  • Em março de 2020 a população da cidade já passava dos 44 mil habitantes, e todos de alguma forma atuam na
    indústria ou no comércio do jeans.
  • Aproximadamente 60% dos empreendedores produzem e vendem nas feiras, tendo uma rotina muito intensa de trabalho. De semana os empreendedores ficam em plena produção e de final de semana atuam na comercialização das peças.
  • Além do Parque das Feiras, um complexo de nove hectares que comporta mais de 1000 boxes / lojas, ao redor dele há 3 mil bancos (barracas de madeira) para comercialização de jeans e cerca de 1500 ambulantes. Destes 3 mil bancos, apenas 150 empreendedores que atuam neles são formalizados.
  • Hoje existem mais de 70 lavanderias atuando na cidade, apesar da escassez e poluição do rio da cidade. Assim, para manter o funcionamento das lavanderias, há grande circulação de caminhões pipa.

Ainda, segundo Kleber Barbosa e Fabia Roseana Souza da Assistência Social de Toritama, há um ciclo que se repete na vida das pessoas em Toritama: as pessoas aprendem a costurar e desejam um trabalho formal. Quando conseguem uma vaga de emprego em fábrica, ficam por um ano e saem para começar a empreender. Como há uma mudança muito grande na sua vida, entram em crise. Sem saber como gerir o negócio, e nem o tempo.

Outro fato interessante é que diferente do que acontece entre as oficinas de costura em São Paulo, o isolamento no sentido físico entre as facções não existe. As facções são uma ao lado da outra e é possível encontrar em uma rua o jeans feito do começo ao fim. Porem há um isolamento quando à relacionamento interpessoal.

Em Toritama as mulheres são independentes financeiramente. Na maioria dos casos, são elas que chefiam as facções, no geral formada por familiares. Crianças e adolescente são comuns nas facções. Com idade de 12 a 14 anos já querem trabalhar nas facções e buscam formação profissional na prefeitura para isso, mas não encontram por conta da menor idade. Mesmo assim, é comum que comecem a trabalhar nas confecções com operações pouco complexas, como produzindo passante. Depois que aprendem, os pais começam a contar com eles na produção, naturalizando o trabalho infantil. Se tornam ajudantes, também chamados de “cassaco”. Assim, o trabalho infantil é um dos motivos para que a média de idade das empreendedoras e empreendedores ser inferior a 30 anos. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Toritama, encontramos muitas pessoas empreendendo na faixa de 18 a 25 anos.

Mas o principal desafio em Toritama é a educação. Alguns dados de um estudo realizado pelo Sebrae (2019)[5], mostram que  uma vez que jovens entre 15 a 20 anos já têm sua moto, um pequeno patrimônio (por menor que seja sua facção) e, muitas vezes, se mantêm.

“Desde cedo as pessoas são estimuladas a trabalhar, o que incentiva a evasão escolar. É costume se ver pessoas que não terminaram os estudos se destacarem na atividade econômica. Por isso, é comum o pessoal dizer que não sabe para quê estudar, se é possível conseguir empreender sem precisar frequentar a escola”.

“(…) Se por um lado o negócio bem-sucedido do jeans significou uma alternativa de sobrevivência em meio ao solo árido do Nordeste, aumentando a renda média da população – considerada uma das maiores entre os municípios do interior de Pernambuco – por outro, contribuiu para a manutenção de índices altíssimos quanto à baixa escolaridade e de um grande contingente de pessoas sem formação básica.”

Segundo o site da Prefeitura de Toritama (2018), “nas últimas três décadas a população do município triplicou, e sem escolas suficientes, a qualidade da educação em Toritama ficou muito aquém do desejado. O reflexo disso pode ser visto na avaliação do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, onde Toritama ocupava o último lugar no Estado de Pernambuco”.

Case da Aliança Empreendedora no Agreste

Com base na experiência já apoiada pela OIT na realização do Projeto Tecendo Sonhos[6], desenvolvido pela instituição Aliança Empreendedora em São Paulo, vislumbrou-se oportunidade de replicar a iniciativa no Agreste Pernambucano. O Projeto consiste na valorização de relações justas de trabalho na cadeia da moda a partir da capacitação de trabalhadoras de oficinas de costura e outras ações relevantes.

Nesse sentido, adaptando o Projeto ao contexto do setor têxtil em Pernambuco, tornou-se possível desenvolver um programa de apoio a mulheres para que se empoderassem, se profissionalizassem, tivessem entendimento da cadeia da moda em que estão inseridas, se formalizassem, soubessem como gerenciar suas finanças, como gerenciar os colaboradores e melhorassem sua qualidade de vida após essa capacitação.

A estruturação dessa iniciativa se iniciou em 2019 a partir de uma colaboração entre a Aliança Empreendedora e o Instituto C&A. Em dezembro de 2019 e em março de 2020, foram realizadas visitas in loco e diversas reuniões com organizações locais para dar início às atividades e desenvolver o desenho de uma metodologia adaptada à realidade da cadeia produtiva no Agreste.  Estas visitas geraram um diagnóstico local, com dados apresentados acima, e realização de parceria com poder público de Toritama e Caruaru. Parcerias estas que promoveram formações para mais de 100 mulheres e mais de 20 pessoas, agentes públicos, capacitados para a replicação de metodologias da Aliança Empreendedora.

Impactos da COVID-19 no Polo de Confecções do Agreste Pernambucano

O surgimento da pandemia COVID-19 veio a impactar significativamente não só as atividades no Agreste, mas o mundo, causando uma grave crise e perdas sem precedentes no mercado de trabalho e na economia. Segundo o mais recente levantamento realizado pelo SEBRAE[7] que avaliou os impactos da crise nos pequenos negócios brasileiros, verifica-se que o setor da moda já é o segundo mais afetado no país pelo coronavírus: 90% dos entrevistados alegaram que tiveram seu faturamento mensal reduzido, ao tempo em que 73% afirmaram ter interrompido temporariamente o funcionamento das atividades. O relatório da OIT “Monitor: COVID-19 e o mundo do trabalho”[2] mostra que o setor manufatureiro está entre os setores que serão mais afetados pela crise (em todo o mundo, estima-se que 111 milhões de empresas do setor enfrentarão o sério risco de interrupção de suas atividades).

Frente a essa realidade e o contexto já mencionado no polo têxtil pernambucano, urge a necessidade de desenvolver ações que visem apoiar mulheres que trabalham como costureiras na cadeia produtiva, de maneira a diminuir sua vulnerabilidade, pois com a pandemia as facções foram muito afetadas, sendo o elo mais frágil de toda cadeia.

Em conversa com empreendedores já atendidos pelo Programa Tecendo Sonhos, percebe-se que muitos pararam totalmente suas produções por 3, 4 meses e sem capital ficou muito difícil retomar o funcionamento da oficina. Por isso, há casos de empreendedores que venderam suas máquinas de costura e foram empreender em outras áreas, como a área de alimentação. Esse é o fato de que muitas confecções e marcas, muitas vezes não encontram mão de obra para sua produção. Mas vale lembrar, que os valores pagos por essas marcas e confecções na grande maioria das vezes não é justo e não remunera a mão de obra dos costureiros de forma digna.

Segundo a OIT, para enfrentar os desafios decorrentes da pandemia será necessária a adoção de medidas políticas integradas e de larga escala, com foco em quatro pilares: apoio às empresas, trabalho e renda; estimular a economia e o emprego; proteger os trabalhadores no local de trabalho; e usar o diálogo social entre governo, trabalhadores e empregadores para encontrar soluções.

Gostou do conteúdo? O Florian, do Empreender 360, e a Khin, do projeto Tecendo Sonhos, compartilharam no Café 56 a sua experiência e contaram um pouco da história e dos desafios do trabalho com empreendedores da área têxtil.

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[1] Dados do Smart Lab do Trabalho Decente, da OIT e do MPT.

[2] Polo de confeccções do Agreste, um potencial ainda pouco conhecido – http://especiais.leiaja.com/descosturandoacrise/materia1.html

[3] https://www.institutocea.org.br/noticias/historias/condies-de-trabalho/costurando-solues

[4] O império do jeans em Toritama – http://especiais.leiaja.com/descosturandoacrise/materia2.html

[5] https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/PE/Anexos/RELATORIO-TORITAMA-FINAL.pdf

[6] Site: https://aliancaempreendedora.org.br/tecendosonhos/

[7] https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/impactos-e-tendencias-da-covid-19-nos-pequenos-negocios,5e8fbd0c7d711710VgnVCM1000004c00210aRCRD

[8] https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_743197/lang–pt/index.htm